Enquanto o mundo vislumbrava a chegada da sétima geração de consoles, em março de 2005 a Sony lançava para o PlayStation 2 um jogo que marcaria muitas pessoas. Em God of War assumíamos o papel de um guerreiro espartano, que após ser enganado pelo Deus da Guerra, Ares, mata sua própria mulher e filha.
Aquele título nos levava a uma ode de vingança e muita violência, colocando o protagonista, Kratos, diante de diversos personagens e deuses da mitologia grega. Mesmo sendo apenas inspirado nos mitos daquela cultura, logo, não tentando reproduzi-la fielmente, sua história servia de incentivo a conhecer mais sobre o universo fantástico em que se passava e a analista de dados, Bruna Stall (25), foi uma das pessoas fisgadas pela criação do Santa Monica Studio.
“Desde criança os jogos sempre foram uma parte importante da minha vida,” afirmou. “Cresci na época em que o PS1 estava dando lugar ao PS2, e foi uma época bem legal para a indústria de games. As desenvolvedoras estavam começando a contar histórias mais envolventes.”
Bruna ainda contou que jogava God of War com seu primo e após as sessões, era comum eles discutirem sobre a história. “Com acesso à internet, passávamos bastante tempo no Google tentando entender mais sobre a mitologia grega,” lembrou, afirmando que aquele não foi o único jogo que despertou nela o interesse por outras culturas.
“Tive experiências semelhantes com outros jogos,” garantiu. “Assassin’s Creed me ensinou sobre várias épocas históricas, como o Renascimento e o Egito Antigo. Call of Duty me fez querer entender mais sobre as guerras mundiais e a política por trás delas. Age of Empires me deixou fascinada por civilizações antigas e como elas se desenvolviam. Valiant Hearts me deu uma lição sobre a Primeira Guerra Mundial e Prince of Persia me apresentou a elementos da cultura persa e de outras civilizações antigas do Oriente Médio.”
Pois essa não é uma percepção apenas de quem foi motivada a aprender, mas também de quem ensina. Professor de História da rede estadual do Paraná e pós-graduado em Educação Especial com foco em Altas Habilidades e Superdotação (AHSD), Mario Vitor Mansano usa RPGs como ferramenta lúdica de ensino, tanto nas salas de aula como em oficinas para crianças e jovens com AHSD.
Para Mansano, “mesmo que alguns jogos não tenham uma precisão histórica, eles servem como uma porta de entrada para o interesse em história, seja com uma curiosidade sobre mitologias, como no caso de God of War, seja por período histórico específico, como em Assassin’s Creed.” O professor ainda salientou um ponto importante, que são os jogos poderem servir para alguns jovens como a única forma de contato com diferentes culturas, formas de pensar e de viver.
“Muitas civilizações antigas podem ser retratadas e revividas com a ajuda de videogames e, ainda mais com os jogos modernos, há uma tentativa de reconstrução histórica com mais esmero por parte das produtoras, fazendo com que o jogador não só conheça diferentes culturas, mas que vivencie e experimente o que seria viver naquela cultura e naquele período histórico,” defendeu.
Aquele God of War — que posteriormente receberia várias continuações e até um recomeço, nos levando para a mitologia viking — foi feito por uma desenvolvedora norte-americana que, mesmo contando com talentos de vários países, nunca se dispôs a criar um jogo que servisse como uma representação fiel da mitologia em que se baseou.
Quanto a essa tentativa de explorar outras culturas, a jornalista Flávia Gasi afirma que “você tem todo o direito de pesquisar uma cultura que não conhece e falar sobre ela, da mesma forma que pode fazer isso com gênero, orientação sexual e racialidade,” defendeu. “O que vejo problema é quando a gente conta a cultura de outrem numa tradução não complexa para o objetivo de lucro. Aí é problemático, porque muito provavelmente você vai cair em tropos daquela cultura, que são tropos racistas.”
Portanto, durante a saga de Kratos podemos ver diversas licenças poéticas e até alguns absurdos, além de nos depararmos com conceitos típicos dos videogames, como a desgastada exploração da Jornada do Herói. Mesmo assim, ao nos apresentar a figuras como Atenas, Poseidon, Afrodite e Zeus, além de nos colocar à procura da Caixa de Pandora, God of War passava algum ensinamento e principalmente, deixava os jogadores sedentos por mais, ávidos por aprender sobre a mitologia que o inspirou.
“[Os] jogos me ajudaram bastante, porque muitas vezes eu tinha dificuldade em aprender esses assuntos na escola,” garante Bruna. “Mas com a experiência imersiva dos games, tudo ficou mais fácil e divertido. Muitos temas me chamaram tanto a atenção que até hoje continuo estudando sobre eles. E, claro, como acontece com muitos gamers, jogar me incentivou a aprender inglês, o que no fim das contas me levou à fluência.”
E na opinião de Mansano, essa proximidade dos alunos com a tecnologia (e os games) é algo que não deve ser ignorado pelos professores. “São poucos os alunos que não possuem nenhum tipo de acesso à internet e aos jogos eletrônicos,” apontou. “Devemos então aproveitar essa vontade e esse acesso o melhor possível para que os alunos se interessem pelas aulas, que cada vez mais espantam o desejo dos alunos pela educação.”
Contudo, infelizmente ainda existe uma certa resistência por parte daqueles que ensinam, o que Mario credita “desde o tradicional preconceito contra os games, de que eles seriam violentos e que essa violência influencia nossos jovens, como também a resistência de certos professores a utilizar diferentes tecnologias em sala de aula.”
Mas este é um cenário que ele acredita estar mudando, já que alguns professores utilizam os jogos como ferramenta pedagógica e o próprio estado incentiva essa prática. No caso da rede paranaense de ensino, Mansano afirma que ela já conta com computadores equipados com o popular jogo Minecraft.
Na próxima parte desta série de reportagens dedicada à cultura e a como os games contribuem para sua disseminação, o tema abordado será o folclore e como três títulos fizeram um excelente trabalho em nos apresentar a histórias de povos muito distantes da maioria dos brasileiros.