Muito antes da distribuição digital, de termos o mundo nas palmas de nossas mãos e antes mesmo de os consoles se tornarem poderosas máquinas parecidas com computadores, quem reinava no mundo dos videogames eram os fliperamas. Hoje essas fabulosas máquinas costumam ser admiradas por colecionadores e saudosistas, mas houve uma época em que se você queria o que existia de mais avançado na indústria, precisava visitar um estabelecimento — muitas vezes perigoso — com aqueles enormes gabinetes.
Essa é a história de uma parte dos videogames que as gerações mais novas nunca terão a oportunidade de experimentar da mesma maneira, mas que graças à memória daqueles que a vivenciaram, podemos relembrá-la, com uma mistura de paixão, humor e até mesmo uma pitada de perplexidade.
Um passeio pela história
Para aqueles que nasceram após os anos 2000, lidar com jogos repletos de microtransações ou outros tipos de monetização um tanto abusivas pode parecer comum, mas o que você acharia de pagar por cada partida disputada? Imagine ter apenas algumas vidas à sua disposição e após perdê-las, a única opção para continuar jogando seria gastando mais dinheiro.
Esse conceito pode parecer absurdo, mas foi sobre ele que os fliperamas foram forjados. Liberando a jogatina após adicionar uma moeda — ou uma ficha, o que era mais comum por aqui —, caberia ao jogador usar toda sua habilidade para ir o mais longe possível e como as fabricantes precisavam arrecadar o máximo possível, era comum o nível de dificuldade dos jogos ser bastante alto.
As primeiras máquinas remetem ao início do século XX, quando em 1910, Joseph Fourestier Simpson, um morador de Nova Jersey, criou um jogo chamado Skee Ball. Nele o jogador precisava rolar uma bola por uma rampa ascendente, com o objetivo de encaixá-la num dos compartimentos que rendiam pontuações diferentes.
Embora não se parecesse com os jogos eletrônicos que temos hoje, ele fazia parte do que ficou conhecido nos Estados Unidos como “Redemption Games”, ou seja, máquinas que recompensavam a habilidade do jogador de acordo com a pontuação alcançada. Porém, foi apenas em 1931 que chegaram as primeiras máquinas operadas por moedas.
Com o nome de Baffle Ball, ela pode ser considerada uma precursora das máquinas de pinball, onde as pessoas tinham algumas bolas para derrubar alvos após dispará-las usando algo parecido com um êmbolo.
Com a Crise de 1929 afetando a vida dos norte-americanos, aqueles jogos despontaram como uma forma de entretenimento barata, mas o governo não estava gostando de tamanha popularidade. Enxergando neles uma espécie de jogo de azar, as máquinas foram proibidas em vários estados.
Diante do banimento, as fabricantes seguiram buscando maneiras de contornar a situação e em 1947 surgiram as primeiras máquinas equipadas com os famosos flippers. A justificativa era que com eles as partidas dependiam menos da sorte e mais da habilidade do jogador. Outra saída foi apostar nos jogos eletromecânicos, que surgiram logo após a Segunda Guerra Mundial, mas esses raramente tinham finalidade comercial, servindo mais como demonstrações tecnológicas para eventos públicos.
Contudo, os mais velhos não entendiam o que os jovens viam naquilo e consideravam os pinballs “ferramentas do diabo”, o que levou ao seu banimento em vários lugares. Já nas cidades em que aqueles jogos continuavam permitidos, as fabricantes faziam questão de distanciá-los das apostas, adicionando a frase “For Amusement Only” (Apenas para Diversão) aos gabinetes, tornando-a muito famosa.
Essa perseguição durou por mais de duas décadas, até que em 1971 a Universidade de Stanford recebeu sua primeira máquina do jogo Galaxy Game. Por uma partida as pessoas precisavam gastar uma moeda de dez centavos de dólar, enquanto uma de 25 centavos rendia três partidas.
Pouco antes disso, em 1965, uma empresa chamada Nakamura Manufacturing Company — e que depois seria renomeada como Namco — lançou um jogo eletromecânico chamado Torpedo Launcher. Funcionando como um simulador de submarinos, nele precisávamos olhar por um periscópio para saber quando disparar torpedos contra os navios que nos ameaçavam, tornando-se um grande sucesso.
Enxergando ali uma oportunidade, no ano seguinte a Sega lançou algo muito parecido, mas com o nome de Periscope. A maior diferença foi que essa versão fez sucesso até fora do Japão, se tornando o primeiro jogo a exigir uma moeda de 25 centavos de dólar para funcionar.
Entregando um nível de realismo audiovisual muito além dos que as pessoas estavam acostumadas, Periscope despertou o interesse do público e consequentemente das fabricantes. Os fliperamas estavam entrando em uma nova era, uma que exigiria títulos cada vez mais complexos.
Mas enquanto a Sega experimentava do lado de lá do planeta, inclusive lançando em 1969 o Missile, primeiro jogo que contaria com um joystick e um botão para disparo, o ocidente se renderia a algo visualmente simples, mas com uma capacidade sem precedentes de prender os jogadores. Seu nome? Pong.
Primeiro grande sucesso comercial dos fliperamas nos Estados Unidos, a criação da Atari lançada em 1972 vendeu mais de 35 mil unidades, mostrando ao mercado que aquela era uma indústria que poderia render muito aos envolvidos. As lojas foram invadidas por clones daquele jogo, o que levou a uma quebra do mercado na metade da década e assim os jogos eletromecânicos seguiram dominando o cenário.
Os jogos digitais só voltariam a ganhar força em 1978, quando outro título icônico estreou, o Space Invaders. Alguns historiadores defendem que ali nascia a Era de Ouro dos fliperamas, com as máquinas deixando os transistores e adotando microprocessadores. Também foi nessa época que começou a popularização dos videogames, impulsionada por jogos como Pac-Man, Missile Command e Donkey Kong.
Desses, o mais bem-sucedido foi a criação de Toru Iwatani, um jogo que nos colocava na pele de uma bolota amarela que precisava devorar pontos espalhados por um labirinto enquanto fugia de um quarteto de fantasmas. Apesar de um início modesto, Pac-Man se tornaria um sucesso gigantesco, vendendo mais de 400 mil gabinetes até 1982 e recebendo uma estimativa de 10 bilhões de moedas, rendendo US$ 6 bilhões à Namco, o que numa conversão para os dias atuais, daria cerca de US$ 19 bilhões!
Contudo, por volta de 1983 o mercado estava saturado devido a enorme quantidade de títulos de baixa qualidade lançados constantemente, tanto para os consoles e computadores, quanto para os fliperamas. Somado a isso, crescia o temor em relação a como aqueles estabelecimentos poderiam influenciar os jovens e com o Crash dos Videogames, a indústria retraiu. O período dourado dos fliperamas terminava.
O renascimento do ramo só aconteceria a partir de 1986, muito devido à chegada de um gênero que se tornaria sinônimo de arcades, os Beat ‘em ups. Também foi nessa época em que o público se apaixonaria pelas máquinas que Yu Suzuki estava desenvolvendo para a Sega e que simulavam motos e carros. Montados sobre sistemas hidráulicos, aqueles gabinetes criaram uma tendência chamada Taikan, que numa tradução livre, seria algo como “sensação corporal”.
Contudo, perto do final da década de 80 os fliperamas sofreram um novo declínio, impactados pelo sucesso do Nintendo Entertainment System (NES). Isso só mudaria no início da década de 90, quando os jogos de luta como Street Fighter II e Mortal Kombat se tornaram uma verdadeira febre. Tamanho interesse por parte do público levou inúmeras empresas a apostarem nesse tipo de criação, com a SNK respondendo como uma das principais competidoras.
Ainda nos anos 90 os arcades viram a chegada dos primeiros jogos 3D, distanciando ainda mais o poderio entre eles e os consoles. Isso persistiu até o final daquela década, quando os sistemas caseiros e os computadores finalmente se aproximaram e até superaram o que só encontrávamos nos gabinetes. Os fliperamas novamente estavam perdendo força e dessa vez, de maneira definitiva.
Enquanto isso, no Japão…
O cenário de declínio foi um pouco diferente na Ásia, onde estabelecimentos dedicados aos fliperamas permaneceram relativamente comuns até perto do final da década de 2010. Durante muitos anos, as pequenas lojas localizadas no Japão serviram como um ponto de encontro para os jogadores, principalmente para aqueles que frequentavam o cenário competitivo dos jogos de luta. Os fliperamas eram o local em que essas pessoas podiam medir força com outras tão ou até melhores do que elas.
Além disso, era comum as lojas ficarem marcadas por um determinado jogo e assim, os jogadores que procuravam treinar no Street Fighter III: 3rd Strike deveriam ir para um estabelecimento, enquanto os apaixonados por Vampire (aqui conhecido como Darkstalkers) ou Virtua Fighter tinham que procurar outro.
Embora a situação dessas lojas já não fosse das melhores, a chegada da pandemia de COVID-19, no primeiro semestre de 2020, foi um golpe muito forte. O Japão não chegou a ser tão afetado quanto outros países, mas o distanciamento social obrigou os fliperamas a reduzirem o número de máquinas funcionando, o que consequentemente atingiu diretamente o bolso de seus donos.
Para piorar, os campeonatos organizados com certa frequência — e que serviam para incrementar o faturamento das lojas — precisaram ser cancelados. Por um tempo, o público pôde contribuir participando de campanhas de financiamento coletivo, mas isso não foi suficiente para impedir o fechamento de muitas lojas.
Mesmo as grandes lojas mantidas por gigantes do ramo sucumbiram. Dentre elas estavam os lendários Club Sega, localizados no tecnológico bairro de Akihabara, em Tóquio. Já em 2022, foi a vez da empresa se retirar totalmente do ramo, vendendo as ações que ainda tinha para a Genda, terminando assim sua atuação no mundo dos arcades após 56 anos de atividade. Outro marco que também caiu nos últimos anos foi a loja Hirose Entertainment Yard (HEY Arcade), mantida pela Taito. E se em 1989 o país contava com mais de 22 mil lojas dedicadas aos fliperamas, em 2019 esse número caiu para cerca de 4 mil.
“A coisa mais triste sobre os fliperamas fecharem é que, uma vez que eles desaparecerem, desapareceram,” lamentou o streamer e organizador de campeonatos, Andrew Fidelis, um americano radicado no Japão. “Novos fliperamas e novas comunidades não estão sendo abertas. Poderá chegar um dia num futuro próximo em que os jogos de luta em fliperamas simplesmente não existirão mais.”
Pois o temor de Fidelis — e de todos que amam os arcades — é justificável. Segundo pesquisa feita pela empresa de análises Teikoku Databank, durante o ano fiscal de 2023, 18 “centros de jogos” faliram no Japão, o maior número registrado desde 2018. Se considerarmos só do início da pandemia para cá, o mercado por lá encolheu 30%, com as máquinas de pegar bichinhos de pelúcia tendo se tornado as grandes estrelas das lojas que antes estavam cheias de fliperamas.
- Amusement & Music Operators Association (AMOA):
Fundada em 1957, contou com mais de 1700 membros até 1995, principalmente da indústria da música. Foi a responsável pelos acordos de licenciamento com as gravadoras que permitiram a comercialização de jukebox. - American Amusement Machine Association (AAMA):
Fundada em 1981, representava a indústria de máquinas operadas por fichas/moedas e contou com 120 distribuidoras e fabricantes. - Japan Amusement Machine and Marketing Association (JAMMA):
Fundada em 1981, representou várias fabricantes japonesas, como Bandai Namco, Capcom, Koei Tecmo, Konami, Sega e Taito. Já a Nintendo fez parte do grupo até 1989.
Foi a responsável por realizar uma das maiores feiras de fliperamas do mundo, a Amusement Machine Show (JAEPO).