Fugindo de casa

Fliperamas

Crédito: Dori Prata/Stable Diffusion

Na mesma época, mas no Estado de São Paulo, o Engenheiro de Software Matheus “ToadGeek” Gonçalves (42) lembra de seu primeiro contato com os fliperamas, ainda na cidade de Pirassununga. “Eu andava de bicicleta metade da cidade para chegar na minha escola e nesse meio de caminho abriu uma mini garagenzinha,” conta sem esconder o saudosismo. “Ali dentro tinha duas máquinas de fliperama, Street Fighter II e Pac-Man.”

O jogo de luta da Capcom o fascinou imediatamente e mesmo sem ter dinheiro para jogar, ficava no estabelecimento apenas assistindo — e nem sempre havia outras pessoas jogando. “Tinha horas que eu ia para dentro desse fliperama e ficava vendo só a animação de entrada, que tinha aquele prédio descendo e a galera, os dois caras brigando e tal, e as demonstrações, eventualmente entravam os personagens do jogo mesmo, lutando um contra o outro.”

Aos poucos começaram a surgir as competições entre os jogadores, com alguns ficando conhecidos por suas habilidades e quando um desses estava jogando, restava esperar acabar sua partida ou assumir o risco e apostar uma ficha. “Existia toda uma etiqueta de respeitar a fila, quem ia jogar,” Afirma. “Por exemplo, você colocava uma ficha quando um cara estava jogando, rolava um ‘Here Comes A New Challenger!’ e você está lá, desafiando o cara. […] É tipo uma versão moderna de fazer um duelo, tipo duelar a tua ficha contra a minha. Você gastou dinheiro e vou arrancar você dessa máquina. E aí dava o seu melhor.”

Crédito: Reprodução/Freepik/Dori Prata

ToadGeek contou que, quando tinha por volta de oito anos, certo dia fugiu de casa após presenciar uma briga familiar. Sem ter para onde ir, se refugiou no local que mais gostava de estar, aquela garagem com alguns gabinetes. Isso foi ainda pela parte da manhã e quando já estava perto de meia-noite, alguém estranhou aquela criança perambulando pelo fliperama.

Matheus não sabe quem foi o responsável por fazer a denúncia, mas a polícia chegou ao local e como sempre acontecia nessas situações, a maioria dos frequentadores bateu em retirada. O resultado da pirraça foi o jovem Matheus ser levado para casa, na viatura policial, o que provavelmente lhe rendeu uma bela bronca.

Alguns anos depois, muitas vezes ToadGeek se acostumou a passar as tardes nos fliperamas e de lá ir direto para a escola, onde as conversas sobre os jogos continuava. Já morando na cidade de Guarulhos, numa região mais “barra pesada” que em Pirassununga, ele considera que frequentar tais lugares foi benéfico. “Você precisava fazer a leitura do ambiente pelo risco e constante medo,” conta. “Não, essa parte não era saudável, vamos ser sinceros, mas eu acho que desenvolveu na gente uma capacidade social de conseguir entender o que está acontecendo ao seu redor.”

Segundo Matheus, a experiência com fliperamas ainda ajudou a criar nas pessoas a consciência de como se portar em determinadas situações. Com algumas regras não declaradas pairando sobre os fliperamas, “[estávamos sempre] tentando ler o ambiente, para saber se estava passando do limite, se você estava pisando no calo de alguém, sempre aquela mini angústia, aquela ansiedade,” explicou.

Mas ele admite que tinha consciência de onde estava se metendo. “Acho que o fliperama nessa época tinha um senso de contravenção, não era algo bem-visto pelas senhoras, pela sociedade, pelos pais,” reflete sobre a situação. “Eu me colocava nessa situação de risco sabendo. Eu tinha o constante sentimento de que eu estava fazendo algo errado, ou melhor, algo arriscado, mas valia a pena, porque era legal estar ali jogando.”

E esse sentimento não era em vão. Segundo ToadGeek, aquele era um local normalmente sem o monitoramento de adultos, onde as pessoas fumavam constantemente, consumiam bebidas alcoólicas e era possível ver desde brigas até a venda de drogas. Mesmo assim, ele nunca se deixou levar pelas más influências, pois estava ali “só pelos jogos” e os fliperamas eram um dos únicos entretenimentos a que ele e seus amigos tinham acesso na época.

Matheus ainda observou, consternado, o fato de não lembrar de alguma vez ter visto uma garota em um fliperama. De fato, há cerca de três décadas o mundo era um lugar bem diferente.

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Pai em tempo integral do pequeno Nicolas, enquanto se divide escrevendo para o Meio Bit Games e Vida de Gamer, tenta encontrar um tempinho para aproveitar algumas das suas paixões, os filmes, os quadrinhos, o futebol e os videogames. Acredita que um dia conseguirá jogar todos os games da sua coleção.