Ganho de consciência
No final da década de 80, Marcio Neves (46) morava em Higienópolis, perto de Manguinhos e fazia curso de inglês no Meier. Foi naquele bairro que o hoje Cientista da Computação teve contato com a primeira loja dedicada exclusivamente aos arcades — embora ressalte que esse nome nem fosse usado na época.
Com a típica “decoração” sinistra daqueles estabelecimentos, o local era escuro e fedia a cigarro, com alguns gabinetes contando com cinzeiros, enquanto outros tinham marcas de queimado devido às guimbas que repousavam, ainda acesas, sobre a madeira. Mesmo assim, Marcio reconhece sua inocência na época, pois não via problema naquela atmosfera. “Mas recapitulando, com a mente de hoje… Se eu tivesse filho, não ia querer que ele ficasse naquele ambiente,” garante.
Entre os desafios encarados por aquele pequeno Marcio, estava conseguir enxergar o que acontecia nas máquinas. Ele reforça a ideia de que quando uma delas se tornava popular ou um bom jogador colocava uma ficha, era comum se formar um público ao seu redor. Dessa forma, as crianças precisavam se espremer entre os maiores para conseguir ter um vislumbre da tela.
Esse comportamento reflete algo que podia ser visto em vários fliperamas do Brasil: meninos que ficavam perambulando entre os gabinetes, apenas para assistir os outros jogando. Se hoje muitos jovens passam horas no YouTube ou no Twitch apenas prestigiando seus streamers favoritos enquanto eles jogam, há mais de três décadas isso era a única opção para muitos, devido à falta de dinheiro para comprar fichas.
No entanto, participar como espectador era também aproveitar a oportunidade para aprender. Sem tanto acesso às revistas e bem antes de a internet se tornar uma realidade por aqui, muitos conseguiam absorver táticas de jogos, saber como golpes eram executados ou ter acesso a macetes apenas com a troca de experiência entre os jogadores.
Mas as máquinas que Marcio mais frequentou foram aquelas localizadas no boteco localizado na esquina da sua casa. Como morava em uma rua sem saída, ele inevitavelmente precisava passar pelo lugar sempre que saía e se alguém lhe pedisse para ir à mercearia, à padaria ou em qualquer outro comércio da região, ele aproveitava para dar uma passadinha naquele bar para ver quem estava jogando ou, com um pouco de sorte, conhecer algum novo jogo que chegou recentemente.
“Teve um momento que teve a febre do Pit Fighter,” recorda. “Ele era único, porque eram sprites de pessoas, fotos de pessoas animadas. Eu nunca tinha visto algo do tipo, até então. Único nesse sentido.”
Pois a sensação de descobrimento e perplexidade proporcionada por aquelas máquinas é algo a que Marcio julga que as novas gerações de jogadores nunca terão acesso. “Quando era mais novo eu não tinha videogame,” explicou. “Então, para mim, o escapismo digital, do entretenimento eletrônico, eram os fliperamas. Eu via muita coisa [lá] que ficava impressionado.”
Apesar de recordar com alegria de como era desbravar os botequins cariocas até meados da década de 90, Marcio afirma que essas incursões serviram para lhe ensinar, mesmo que a duras penas, a ouvir seus pais, devido a total perda da noção de tempo enquanto estava jogando/assistindo. Certa vez, após sair do curso de inglês à noite, ele resolveu parar em um fliperama e só apareceu em casa muito tempo depois do normal, quando seus responsáveis já estavam desesperados.
“Foi aí que eu me dei conta do quão preocupado eu deixava os meus pais,” lamenta. “Quando eu chego em casa e vejo a preocupação, sabe o que eu penso? Realmente, eu tinha que ter mais noção do que estava fazendo. Depois disse eu meio que parei de ficar sumindo e passei a me controlar mais.”