Mesmo com toda a facilidade de acesso à informação que temos hoje em dia, é fácil deixar passar o lançamento de algum bom jogo. Isso quase aconteceu comigo recentemente, mas por sorte, decidi dar uma chance a um obscuro RPG chamado Astlibra Revision.
Fascinante desde a história da sua produção, Astlibra Revision começou a ser produzido há 15 anos por apenas uma pessoa, um japonês conhecido como Keizo e que se dedicava ao título nas horas vagas. Disponibilizando o projeto gratuitamente conforme fazia avanços significativos, só recentemente ele passou a ter a ajuda de uma equipe e assim eles conseguiram lançar essa “revisão”.
Com o jogo, o objetivo do game designer amador era criar um RPG de ação com visão lateral, um estilo que ele sempre adorou, mas que raramente recebe novos títulos. E olha, por mais que sua criação não esteja livre de problemas, ela é extremamente divertida e mais complexa do que muitas produções de grande porte que vemos por aí.
Em Astlibra Revision seremos um garoto sem nome que sofre com a perda de memória e se vê sozinho num mundo que não conhece. Certo dia, o menino encontra um corvo e para sua surpresa, a ave é capaz de falar. Também sem ter noção de como foi parar ali e sem lembrança do passado, o animal passará a nos seguir, servindo como fiel escudeiro.
Completamente isolados, o protagonista e seu inusitado amigo decidem que está na hora de voltar para casa, onde quer que seja isso, e saem pela floresta sem um destino definido. Essa andança se mostrará uma enorme provação, já que levará oito longos anos até que a dupla se depare com outro ser humano.
Mesmo sem trazer nada de muito novo quando se trata do enredo, Astlibra Revision conta com uma história interessante, nos fazendo querer saber mais sobre o seu misterioso universo e como o nosso herói conseguirá recuperar a memória. O ponto negativo vai para a maneira como os capítulos parecem desconectados, o que pode ser explicado pela maneira como o jogo foi produzido, ao longo de vários anos.
Também gostei da parte visual, mesmo admitindo que ela não deverá agradar a todos. Seus gráficos me fizeram pensar numa versão atualizada do que tínhamos na época em que o 2D ainda dominava a indústria. Aqui o destaque vai para os belos cenários e monstros enormes que encontramos pelo caminho. O que não gostei foi da animação, principalmente do protagonista e vale citar que, mesmo jogando no Nintendo Switch, o desempenho está muito bom.
Eu ainda preciso elogiar a trilha sonora presente em Astlibra Revision. As músicas combinam muito bem com a maioria das situações e me causaram uma boa nostalgia, soando como se eu estivesse ouvindo algumas das ótimas trilhas dos RPGs produzidos pela Square na década de 90.
Contudo, a parte em que a obra de Keizo brilha mais intensamente é mesmo na jogabilidade e batalhas. Funcionando como um Hack and Slash, é fácil perceber a influência de jogos como Castlevania: Symphony of the Night nos combates, mas mesmo a obra-prima de Koji Igarashi parece simples perto de Astlibra Revision. Nele poderemos usar um escudo para nos defendermos dos ataques, esquivar e acumular energia para invocar entidades mágicas. Tudo isso num ritmo frenético, muitas vezes com diversos inimigos se aproximando por todos os lados.
A sensação de poder que o jogo consegue nos passar é outro ponto positivo, com a ação parando por um breve momento para indicar ao jogador o impacto do seu ataque. E um receio que eu tinha, que era de o título poder se tornar repetitivo com o tempo, felizmente acabou não se confirmando. Participar das batalhas é sempre algo muito divertido.
Um dos motivos para isso está na liberdade na hora de montar o nosso personagem. Dessa forma podemos ter um herói que consegue desferir golpes fortíssimos com uma arma de grande porte ou acertar os inimigos a distância disparando magias com um cajado. Mas se preferir, você também montar um guerreiro rápido e os equipamentos evoluem conforme os utilizamos, liberando habilidades que nos deixarão mais fortes.
Essa porção RPG do Astlibra Revision traz consigo um problema que costuma atingir os jogos do gênero, que é o grinding. Quanto mais longe estivermos na campanha, maior poderá ser a necessidade de dedicarmos um tempo para evoluir nosso personagem e como estamos falando de um jogo que pode passar facilmente das 40 horas, essa repetição deverá desagradar algumas pessoas.
Contudo, como disse anteriormente, as batalhas aqui raramente se tornam cansativas e mesmo quando precisamos enfrentar hordas de monstros que não representam um grande perigo, faremos isso quase no automático, com o esmagar de botões sendo realizado de maneira instintiva. Nesses momentos, basta desligar o cérebro, aniquilar os inimigos e partir para a próxima tela.
Mas se o título agrada por várias das suas características, o mesmo não pode ser dito da sua ultrapassada estrutura de progressão da história. Não será raro ficarmos presos em alguma missão simplesmente por não saber com quem falar, uma dificuldade desnecessária para um título moderno. Por mais que eu não goste quando um jogo nos pega pela mão e nos leva até o objetivo, aqui estaremos quase sempre às cegas, o que acaba sendo muito frustrante.
De toda forma, Astlibra Revision se mostrou uma grande surpresa positiva. Jogá-lo tem sido como visitar uma versão moderna de um ActRaiser, ou encarar um sucessor espiritual do Odin Sphere, ou do Dragon’s Crown — mesmo que sem a esplendor visual dos jogos da Vanillaware.
Para quem gosta de RPGs de ação ou simplesmente quer experimentar algo que foge do padrão imposto pelas grandes editoras, essa é uma boa pedida.