De tempos em tempos os videogames são tomados por algum sucesso improvável, um jogo que surge sem causar alarde prévio, mas que acaba se tornando um grande sucesso. Blue Prince é um desses casos.
Desenvolvido de maneira independente durante oito anos pelo artista Tonda Ros, ele teve como principal inspiração o livro Maze: Solve the World’s Most Challenging Puzzle, além de alguns jogos de tabuleiro. Mas afinal, o que é esse tão comentado Blue Prince?
No jogo seremos Simon P. Jones, um garoto que herda a mansão Mount Holly Estate de seu falecido tio e que ao chegar no lugar, descobre que aquela não é uma casa normal. Contando como uma escondida sala 46, nosso objetivo será chegar até ela, mas para isso teremos que gastar muita sola de sapato — e neurônios.

Crédito: Divulgação / Dogubomb
Isso se deve ao fato de que a casa mudará a disposição de seus cômodos a cada dia, o que faz dele um enorme e intricado quebra-cabeça. Mas o que torna o desafio ainda maior é que o lugar conta com uma série de regras que aprenderemos conforme o exploramos — e vale dizer, esse não é um jogo para quem gosta de ser conduzido pela mão.
A principal delas está na maneira como esses cômodos serão dispostos, pois sempre que abrimos uma porta, seremos apresentados a três opções de salas, quartos ou corredores. O jogador então precisará escolher qual deles utilizar, sabendo que cada cômodo possui características únicas.
Por exemplo, enquanto um corredor servirá apenas como ponto de ligação entre cômodos, algumas salas contarão com quebra-cabeças que nos darão itens importantes, lojas nos permitirão comprar produtos que nos ajudarão na progressão, como chaves, joias e comida, e quartos nos darão mais passos. Pois aí entra outra regra fundamental do jogo.
Em Blue Prince teremos que pensar bastante na nossa locomoção pela mansão, pois cada vez que mudamos de cômodo, será consumido um passo. Portanto, será muito importante gerenciar para onde ir a seguir, afinal, quando o contador de passos zerar, o dia chegará ao fim e quando outro começar, a planta da casa será apagada e precisaremos partir para outra rodada de exploração.

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Isso faz de Blue Prince mais um jogo a aproveitar elementos de roguelike e por mais que não seja de hoje que ando farto disso, a maneira como Ros implementou essa característica em sua criação é brilhante. Eu nem posso imaginar o desafio que foi implementar o sistema para gerar essas salas aleatoriamente, mas o sistema funciona bem.
No início eu até não gostei da maneira como as salas não podem ser rotacionadas, mas com o tempo entendi que isso faz parte do desafio, nos obrigando a pensar sempre nos próximos passos que daremos ao “construir” a Mount Holly Estate.
Também merece elogios a quantidade de mistérios espalhados pela mansão. Embora o nosso objetivo seja chegar a sala 46, há tantas coisas a serem descobertas sobre o misterioso lugar, que não estranhe se você se pegar desviando completamente da missão principal. Do paradeiro de Marion Marigold às muitas passagens secretas e inúmeros segredos espalhados por quase todos os cômodos, há coisas a serem descobertas em Blue Prince que vão muito além de apenas ver os créditos subirem pela tela.
Quanto a esse aspecto, o ponto negativo vai para a falta de localização do jogo para a nossa língua. Esse é um título bastante voltado para o enredo, onde muitos detalhes e soluções dos quebra-cabeças estão espalhados pelos diversos arquivos que encontraremos pelo caminho e sem suporte a português, infelizmente muitas pessoas serão privadas de aproveitá-lo por completo.

Crédito: Divulgação / Dogubomb
Outra crítica que pode ser feita à estrutura do jogo está solução de alguns quebra-cabeças que envolvem números. Após descobri-los, será preciso apenas repetir a sequência em encontros futuros, o que compromete o desafio. O ideal seria que esses números mudassem a cada dia, o que poderia nos manter mais interessados.
Mesmo assim, é preciso falar sobre o quão fantástico é o game design de Blue Prince. Embora se valha de elementos presentes em outros jogos e de uma narrativa que não chega a ser inédita, Tonda Ros conseguiu misturar de maneira louvável roguelike com quebra-cabeças, entregando um dos títulos mais criativos dos últimos meses.
Isso se reflete na aceitação, tanto da crítica quanto do público, e no sucesso que o jogo está fazendo. Blue Prince é daquelas obras que nos instiga a querer continuar, sempre desejando mais uma jogada, mesmo sabendo que muitas vezes ela resultará em uma grande frustração.
Falando assim, pode parecer algo negativo, mas enquanto o jogo nos irritará pela aleatoriedade como as cartas os cômodos nos são apresentados ou por darmos de cara com um beco, cada descoberta servirá para renovar nossa energia, cada avanço será a esperança de que a Mount Holly Estate pode ser vencida. E não é justamente disso que os bons quebra-cabeças são feitos?
O fato é que mais uma vez estamos diante de um título que joga luz sobre a importância do cenário independente na indústria de videogames. Se fosse proposto numa época em que apenas as grandes editoras decidiam o que devia ou não ser publicado, a ideia de Ros provavelmente seria prontamente rechaçada, mas felizmente vivemos numa época em que algo tão diferente possui seu espaço. E quem ganha somos nós, os apaixonados por jogos que fogem do lugar comum.